
De onde vem a nossa necessidade de valorização pessoal?
Numa sociedade e cultura que levou o Homem a perder os seus instintos paternais, educamos os nossos descendentes para a insegurança e a busca constante de validação. Como?
Por vezes o pouco que damos é muito para muita gente. Foi essa a minha experiência com o meu último texto, dedicado aos enfermeiros e enfermeiras de Portugal. Posso estar a ser arrogante, mas foi isso o que senti e há muito que aprendi que, apesar de a realidade ser subjetiva, devemos respeitar o que sentimos como a nossa verdade do momento.
Durante dias senti-me emocionada com o seu impacto, e até incapaz de trabalhar direito. Na verdade, ainda estou, e a razão de escrever hoje é bastante egocêntrica: trazer paz ao meu cérebro cansado através da compreensão do que aconteceu.
Para mim, o que se passou foi que eu ofereci a uma classe trabalhadora que se sente menosprezada, sobrecarregada e desvalorizada um dos bens de que ela mais merece e necessita: Reconhecimento.
Mas isso não é só uma necessidade dos nossos valiosos enfermeiros e enfermeiras. É uma necessidade de todos nós, seja qual for a nossa profissão ou ausência dela.
A falta de reconhecimento parece-me ser uma epidemia da sociedade moderna e a sua necessidade extrema o outro lado da moeda.
Mas onde é que tudo começou? Qual a verdadeira raíz do problema?
Esta é apenas a minha opinião, a minha simples e modesta reflexão. Ou melhor, é a minha interpretação de tudo o que tenho lido e aprendido com os muitos especialistas em parentalidade, psicologia do desenvolvimento e neurociência que tenho tido a sorte de ter como mentores:
Tudo começa na infância e a raíz do problema está na forma como fomos criados.
Numa sociedade e cultura que levou o Homem a perder os seus instintos paternais, educamos os nossos descendentes para a insegurança e a busca constante de validação.
Como?
Não criando vínculos onde eles se sintam seguros e não colocando a relação com os filhos à frente de tudo o resto, inclusive de lhes ensinar bom comportamento, o que é certo ou errado ou, até, o significado do respeito.
O segredo é que no contexto de uma boa relação pouco ou nada precisamos de doutrinar. A natureza encarregou-se de proteger as crianças com um instinto que as faz aprender todos os nossos valores sem que os tenhamos sequer de mencionar. Mas desde que na relação certa connosco, não posso deixar de o sublinhar.
E a tristeza é que apesar de a mesma mãe universal ter dotado os pais de um instinto de preservação do relacionamento com os filhos acima de tudo, as mudanças sociais e culturais do século passado reprimiram-no de tal forma que já nem damos pela sua presença. Em substituição da sua sábia orientação, vamo-nos guiando por aprendizagens erradas, baseadas em teorias já provadas incorretas, para educarmos as nossas crianças e o resultado é a imaturidade que cada vez mais presenciamos nos adultos e a sensação de vazio, solidão, dificuldades contantes e vida sem propósito que tantos de nós experienciamos.
Se me posso explicar melhor? Sim, com todo o gosto.
Lembram-se do ditado popular “De boas intenções está o Inferno cheio!”?
Pois fiquem a saber que tal expressão é uma verdadeira aberração da natureza, o produto de um caminho de ignorância que não sabemos que percorremos, o equivalente a acreditar que “o sol gira em volta da terra e não a terra em volta do sol”.
A verdade é que no desenvolvimento saudável de um ser humano “as intenções são puro ouro”, como diz o Dr. Neufeld.
Muito antes de ser capaz de realizar algo, a criança começa por o ansiar, por pretender fazer, por pura vontade, mas, ainda, sem resultados.
A criança começa por o comunicar, com premência e segurança. E nós? O que fazemos? Ou a desvalorizamos, dizendo que não é capaz, que ainda é muito pequena para isso, ou aproveitamos a deixa para iniciar um processo para o qual ainda não estão verdadeiramente preparada.
Por exemplo, imaginemos um petiz de três anos que a meio da noite vem sempre dormir para o quarto dos pais. De repente ele anuncia “vou dormir a noite toda no meu quarto!”
Quais são as respostas mais habituais? “Isso gostava eu de ver.”, “Quem me dera, mas não me parece que sejas capaz.”, “Já está bem na altura, o teu irmão/primo/vizinho, na tua idade, já o fazia há muito tempo.” Ou pior: “ainda és demasiado bebé para isso”. E tudo isto é dito num tom de brincadeira que nem nos apercebemos que é puro sarcasmo.
Ou, então, aproveitamos a oportunidade para finalmente o colocar a dormir sozinho e sem hipótese de volta atrás.
E a criança, o que aprende? Que ter vontade de ir mais longe, que acreditar que se pode ultrapassar e ser melhor é perigoso. E que só os outros sabem do que ela é realmente capaz, só os outros conhecem as suas verdadeiras capacidades. E para sempre fica presa à necessidade externa de validação para se sentir reconhecida, valorizada, completa e merecedora de existir.
Está na hora de quebrar o ciclo, está na hora de mudar o mundo, uma criança de cada vez.
Ao assertivo comentário que alguém realizou ao meu texto anterior “Os Enfermeiros possuem a capacidade de mudar o Mundo” eu acrescento “Se o futuro do Mundo são as crianças, nada o melhorará mais do que mudarmos a forma como as criámos!”