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Relacionamentos perfeitos… até que o abismo se abre e nada mais parece igual

 

Eu sempre sonhei com aquele relacionamento perfeito, saído na lotaria ou ganho no euro-milhões. Eu sempre desejei aquele namoro que começou na adolescência, deu origem ao casamento no início da idade adulta e fez dos protagonistas pais numa idade que ainda lhes iria permitir ser bisavós.

Eu sempre invejei aqueles casais que se apaixonaram jovens e bem cedo começaram a tudo partilhar. Viajavam juntos, faziam compras juntos, cuidavam dos filhos juntos e não conseguiam passar muito tempo sem mandarem uma mensagem ou telefonarem um ao outro durante o dia.

Eu sempre me perguntei de onde vinha aquela harmonia perfeita, aquele encontro realizado no céu e respeitado na terra, aquela vida conjunta pacífica e compensadora.

E finalmente encontrei a minha resposta. E por fim compreendo porque quase todos eles caíram, um dia, redondos no chão.

Não, tais casamentos não estão de todo condenados ao fracasso. Mas também não são de modo algum uma garantia de sucesso.

Na realidade, todos os casais que eu conheci assim e cuja sorte invejei, chegaram a um dia em que sentiram o chão a desaparecer-lhes debaixo dos pés e tiverem que questionar tudo o que fora e parecia mais não ser.

Todos esses casais sentiram, um dia, um abismo abrir-se entre eles e a pessoa amada e a ameaçar separá-los para sempre. E se bem que alguns ultrapassaram essa situação, geralmente com uma separação temporária pelo meio, outros terminaram mesmo no divórcio e até criação de novas relações perfeitas. E a dúvida permanente, o questionamento angustiante: o que é que aconteceu? E será que vai acontecer de novo?

Lembro-me bem do sofrimento e das palavras de quem já não sentia mais viver a união perfeita, após uma ou mais décadas de felicidade, e não conseguia perceber o que havia acontecido:

“Eu ainda o amo mas já não me sinto completa ao seu lado”.

“Já não é como antes, parece que algo morreu, só não consigo perceber bem o quê”.

“Falta algo, não sei explicar, falta algo, nem sei o quê, só sei que falta algo”.

“É só que há uma sensação de vazio que nunca tinha sentido antes e por muito que tente não consigo que desapareça”.

“Ainda a amo, mas já não me sinto feliz ao seu lado, não como me sentia antes”.

 

Alguém se identifica? Alguém sabe do que falo? Alguém conhece este sofrimento?

Sim, sofrimento, pois é uma das maiores angústias que alguém pode experimentar: a sensação que algo se quebrou dentro de si, o vazio que se abre, a solidão, a tristeza, a incompreensão dos outros e de si próprio, a culpa por magoar quem ainda se ama.

E para os outros, para aqueles que nunca viveram uma relação assim, para aqueles que se perguntam “mas se eles, que eram o casal perfeito, tiveram este fim, então o que vai ser do meu casamento?” costuma haver uma explicação lançada ao ar que apazigua as suas angústias: conheceram-se muito cedo, casaram ainda crianças, faltou viver outros relacionamentos.

E esta explicação é oferecida até por profissionais, sem no entanto haver, muitas das vezes, uma verdadeira compreensão da dinâmica.

Sim, a idade com que se juntaram pode estar na base destas dificuldades tardias, mas não é tanto a idade física ou experiência ganha em relacionamentos prévios, mas sim a maturidade já adquirida pelos membros do casal aquando da sua união. E esta maturidade nada tem a ver com vivências prévias mas sim com a aceitação e sucesso dos desafios da adolescência, com o caminho escolhido nessa idade e com a conclusão do processo de individualização antes da união do casal.

Por isso, se tal te aconteceu e ainda procuras respostas, então eu pergunto-te: quando o experimentaste o que tinha acontecido na tua vida para despoletar um novo amadurecimento? Tinhas sido mãe/pai? Tinhas mudado de emprego? Tinhas vivido a morte de alguém especial?

E como tinha corrido a tua adolescência? Resististe-lhe ou aceitaste-a? Tiveste alguém ao teu lado que te explicasse o que te estava a acontecer, psíquica e fisicamente?

E se tens medo que te volte a acontecer tal, ou que o aconteça pela primeira vez, as perguntas são a mesmas: o que te falta crescer? Conheces a dinâmica da maturação? O princípio da ortogénese?

Se não sabes as respostas, então talvez esteja na hora de as aprender. Não garante que o teu casamento não acabe, mas aí será por escolha própria, informada e com compreensão e aceitação do que é e não dá para ser diferente. E não com a confusão, perdição e desespero de alguém que viu a sua vida quebrar-se e desaparecer de um dia para o outro sem nunca chegar a perceber porquê.

Mas, muito honestamente, eu acredito que quando compreendemos o que nos aconteceu e pode voltar a acontecer e como isso nada tem a ver com a relação em si, então será muito mais fácil ultrapassar o mau momento, transformá-lo em algo bom e, por muito difícil que possa parecer, sair com um casamento e família ainda mais fortalecidos.

Porque crescer é isso mesmo: aumentar as nossas possibilidades de sucesso.

 

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