
Relacionamentos amorosos: o que muda com a chegada dos filhos?
Quando escolhemos um parceiro para a vida tendemos a juntarmo-nos a alguém com a mesma maturidade que nós. Por isso, por muito que custe admitir, quando nos queixamos da imaturidade dos nossos cônjugues convém recordar que pelo menos quando casamos com eles a nossa era bem semelhante.
A chegada de um filho pode mudar os relacionamentos amorosos previamente existentes.
Muitas são as mulheres que se queixam dos seus companheiros após a maternidade. Eles não ajudam o suficiente, eles não as compreendem, eles parecem não fazer a sua parte no que à criação e educação de um filho diz respeito.
“Até parece que o filho não é dos dois”. Esta é uma frase que escuto com frequência.
Como mãe e mulher identifico-me. Conheço bem esta dor.
Como estudiosa dos relacionamentos humanos escolho largar o papel de vítima e ver a realidade tal como é, mesmo que isso implique sentir-me como a advogada do diabo. Porque por mais que me custe, há muito que aprendi, em teoria e na prática, que exigir dos nossos companheiros o que eles não têm para oferecer não é bom para ninguém: nós, os nossos filhos, o nosso companheiro e, inclusive, o nosso relacionamento amoroso.
Se quiser continuar a ler vou levantar a cortina sobre o que acontece a um relacionamento amoroso após a chegada dos filhos. Mas atenção: pode não gostar do que vai ler.
Relacionamentos amorosos pós-parto: luto, crescimento, divórcio, amadurecimento
É bastante consensual entre os estudiosos da natureza humana que quando um relacionamento amoroso se inicia o par encontra-se no mesmo grau de amadurecimento.
Bruce Tift refere que geralmente contratamos um parceiro que exibe o que nós renegamos em nós mesmos. Laura Gutman fala sobre como o que nos leva a casar com um homem quase nada tem a ver com a pessoa que um dia iremos desejar para pai dos nossos filhos.
Gordon Neufeld reflecte sobre a importância de fazermos o luto sobre o que um dia esperamos do homem que amamos e nunca vamos ter. John Gottman defende que um dos maiores erros das terapias matrimoniais modernas é a enfase dada à comunicação.
Como conjugar todos esses conhecimentos?
Eis a minha destilação, a minha construção do puzzle a partir de todas as peças (pedras preciosas) que me foram dadas por todos estes investigadores:
– Todos crescemos fisicamente, mas nem todos amadurecemos emocionalmente.
– Quando escolhemos um parceiro para a vida tendemos a juntarmo-nos a alguém com a mesma maturidade que nós. Por isso, por muito que custe admitir, quando nos queixamos da imaturidade dos nossos cônjugues convém recordar que pelo menos quando casamos com eles a nossa era bem semelhante.
– Contratamos um parceiro com as mesmas feridas e vulnerabilidades que nós. Mas geralmente com mecanismos antagónicos de tolerância e sobrevivência.
Por exemplo: ambos os membros do casal podem ter crescido a sentirem-se insignificantes, não importantes, pequenos, insuficientes. Como consequência um desenvolveu o mecanismo de defesa de dar nas vistas, ser socialmente ativo, apresentar-se como mais sabedor do que realmente é. O outro, contrariamente, aprendeu a editar-se, a esconder-se a não se mostrar para que as suas falhas não sejam vistas.
Apaixonam-se porque se sentem vistos, compreendidos nas suas dores mais profundas. Apaixonam-se porque valorizam no outro a coragem de ser o que renegaram neles próprios. Mas se o renegamos é porque o sentíamos como perigoso. E mais cedo ou mais tarde vamos senti-lo como perigoso na nossa cara-metade.
– Quando um filho nasce, a mulher (devido às alterações físicas, psicológicas e emocionais da gravidez, parto e pós parto) tende a questionar mais facilmente as suas estratégias antigas de sobrevivência, como se entrasse numa nova adolescência.
– A adolescência é caracterizada por sentimentos exacerbados de solidão, incompreensão, tristeza, questionamento existencial. E por um enorme potencial de crescimento psíquico e emocional, por uma nova oportunidade de amadurecimento.
– As exigências da maternidade, o turbilhão de emoções que vem com a nova adolescência, a realização do potencial de amadurecimento, levam a mulher a sentir-se mais distante do seu companheiro, a deixar de se sentir vista, escutada, compreendida. E a deixar de o ver, compreender, aceitar como sempre foi.
– A mulher vê o companheiro ideal que desejava ter para a amparar no fardo da maternidade. O que não consegue percecionar é que o homem não mudou como ela, não amadureceu junto ou sente as mesmas pressões para crescer.
– A mulher pode tentar mudar o homem o mais que pode, mas ninguém consegue mudar ninguém. É uma tarefa fútil.
– Cabe praticar o que preconiza a sabedoria popular: mudar o que dá para ser mudado (por exemplo, procurar ajuda prática noutros sítios e pessoas), aceitar o que não é passível de ser mudado (fazer o luto sobre o companheiro que idealizamos e não é real) e possuir a sabedoria para distinguir entre os dois.
– Se o relacionamento amoroso vai durar a vida toda ou terminar em divórcio ninguém sabe de antemão. A mulher, após o passo anterior, pode escolher ficar num casamento real, mesmo que não ideal. O homem, ao sentir-se aceite como é, pode sentir um impulso para também ele amadurecer. Ou um ou ambos os membros do casal podem escolher partir para novos compromissos amorosos.
Concluindo, a evolução de um relacionamento amoroso é como a evolução da vida: não controlada e sujeita aos caprichos do tempo.
Nós podemos escolher ser livres, aceitando o nosso papel nas dificuldades que a vida nos apresenta. Ou sentirmo-nos prisioneiras para toda a existência, adotando um papel ativo ou passivo de vítima que fica à espera eternamente que o mundo mude para se adaptar às suas necessidades.