
Quando a nossa filha diz: “Mamã, quero dormir sozinha!”
Quando e como desenvolver a independência de uma criança, a vontade de ser um ser separado dos pais, é um assunto que a ela lhe compete e cujos segredos não lhe apetece inteiramente compartilhar.
Aos 3 anos e meio a minha filha ainda dorme comigo, na minha cama. E eu preparava-me para que ela o fizesse até à pré-adolescência, tal como foi programado no tempo das cavernas e ainda acontece no mundo natural com os nossos primos primatas.
Do que eu me esqueci foi de que o Homem e os seus estudos não conseguem tudo perceber e a natureza por vezes tem timings que nunca adivinhamos.
Quando e como desenvolver a independência de uma criança, a vontade de ser um ser separado dos pais, é um assunto que a ela lhe compete e cujos segredos não lhe apetece inteiramente compartilhar.
O papel dos pais é o de providenciar um porto seguro, emocional e fisicamente, um berço de amor incondicional e segurança. E o natural desenvolvimento humano decorrerá como superiormente planeado. Basicamente o oposto do que nos diz a sociedade!
Há já algum tempo que a minha filha me dizia, esporadicamente, que queria ir dormir para o quarto dela. Fiquei alerta, a ver no que iria dar. Com o tempo começou a falar disso com mais frequência e, inclusive, a referi-lo na hora de dormir. Eu respondia: “Sim amor, quando quiseres podes ir dormir para o teu quarto, e sempre que desejes podes voltar para o da mamã”.
E um belo dia o assunto aprofundou-se: “Mãe, vou dormir para o meu quarto”. Eu respondi novamente: “Sim, meu amor, podes ir”.
“Mãe queres vir comigo?”
“Não amor, eu não quero dormir no teu quarto. Mas estou a ver que tens uma necessidade de dormir na tua própria cama, de teres o teu espaço próprio. Se colocássemos uma cama só para ti no quarto da mãe e do pai?”
Ela adorou a ideia e eu empenhei-me em implementá-la. Mas sem grande aparato ou alterações, afinal ela certamente que ainda não estava preparada para dormir sozinha. Tudo não passava de intenções, de uma vontade de assumir as rédeas da própria vida, mas não se ia concretizar na prática.
Mas como eu sei que as intenções valem ouro e devem sempre ser acarinhadas, ao contrário do que diz o ditado popular, e que esta vontade de dormir sozinha era o resultado de um maravilhoso e saudável comportamento emergente, lá arranjei um colchão prático e catita para colocar ao lado da minha cama.
Sem sequer me dar ao trabalho de colocar lençóis, apenas uma manta e uma almofada, pois afinal era só lá ia fazer uma visita e voltava logo para o meu ninho, anunciei : “Eis a tua cama meu amor!”.
Ela ficou feliz, levou para lá os seus brinquedos, resistiu a deitar-se o mais que pode, mas sempre frisando que ia dormir na cama dela.

Não era a primeira vez que ela fazia este tipo de anúncios. Normalmente quando se zangava na hora de dormir, pegava na manta e na almofada e anunciava que ia dormir sozinha, no tapete mais próximo.
Eu respondia: “Sim amor, podes dormir aí, deixa-me só aconchegar-te. Se entretanto mudares de ideias podes sempre voltar para a cama da mãe”. O que ela invariavelmente fazia menos de um minuto depois, para adormecer sem mais contratempos nem confusões, só muitos beijinhos e abraços.
E assim foi ontem à noite. Só que ela não estava chateada, apenas decidida a ser independente. Mas eu acreditei que o final seria o mesmo.
Aconcheguei-a e disse: “Boa noite amor. Dorme bem. Se entretanto mudares de ideias e quiseres dormir na cama da mamã podes sempre vir para aqui.” Ela sorriu, acomodou-se melhor e adormeceu.
Eu fiquei acordada, incrédula, estupefacta. Seria realmente assim tão simples? Não, claro que não, “daqui a nada acorda a chorar”, pensei. Dormimos seguido até às 6 da manhã. A esta hora chamou-me e perguntou: “Mamã, caí?”
“Não filha, estás na tua caminha. Escolheste dormir aí. Queres vir agora para a cama da mamã?”
Enquanto estendia os meus braços para pegar nela, ouvi a resposta: “Não mamã, dá-me só a tua mão”. Segurou-a por um segundo e libertou-a, virou-se para o outro lado e já dormia profundamente. De manhã acordou feliz, saltou da cama e pediu um “pequeno-almoço de menina crescida.”
Não sei o que vem a seguir, como será a noite de hoje ou mesmo a de amanhã. Mas de uma coisa não tenho dúvidas, apenas seguras certezas: as asas que as nossas crianças precisam para voar são assunto da natureza, é ela quem as faz crescer.
Nós, como pais, só temos que confiar, aprender a esperar, tratar dos nossos medos e de não os passar aos nossos filhos quando parece que nunca vai acontecer. E sermos as raízes, a árvore, o ninho seguro de que eles precisam para se sentirem seguros sempre que a dúvida e o medo os faça vacilar.