
Porque choram os bebés?
“O meu Francisco começou a chorar muito em determinados períodos do dia. Até dói o coração. Disseram que era cólicas. Alguém me pode falar sobre isso?”
Olá querida Leonor,
As cólicas dos bebés são um tema muito interessante. Porquê? Porque, na minha opinião, têm as costas largas e levam com as culpas do choro dos recém-nascidos. Mas, igualmente no meu ponto de vista, não são a primeira e nem sequer a segunda causa destes choros. Acredito que em alguns casos o desconforto intestinal possa provocar dor e consequente pranto do bebe, mas são casos pontuais, não a norma.
Paralelamente é muito curioso que as cólicas só existam em determinadas culturas. No Ocidente os bebés choram imenso, mas no Oriente quase não choram (ou não choravam antes de eles copiarem o Ocidente). Serão questões alimentares? Pode ser.
Mas é igualmente curioso que uma diferença consistente entre as sociedades em que os bebés choram e as em que não choram reside na importância que essa mesma sociedade dá ao ensino da independência. No Ocidente há carrinhos para transportar bebés, camas só para eles e muito mais a promover uma vida separada. Nas sociedades onde não choram, os bebés dormem com os pais (atenção às condições de segurança), andam sempre ao colo e os poucos choros são imediatamente atendidos. Existem, inclusive, algumas tribos onde os infantes nunca choram. Uma bem conhecida e estudada tem por princípio que a criança enquanto não sabe andar não é pousada no chão, está sempre ao colo.
Claro que para uma criança passar o dia ao colo esse colo não pode ser só o da mãe. Há uma vila a tomar conta de um único bebé. E esta multiplicidade de vínculos também parece estar associada a um menor choro. Nós promovemos a parentalidade por apego (attachment parenting). Os princípios em que este tipo de parentalidade se baseia são louváveis e sem dúvida importantes para o desenvolvimento saudável de qualquer criança. O grande problema é que têm por base que a mãe seja a grande fonte de conforto da criança, quanto muito alargado ao pai. E isto não é natural ao ser humano. Falta a vila de apoio.
Porque é que isto é um problema? Porque o bebé está emocionalmente fusionado com a mãe e seus cuidadores principais. Se apenas há uma pessoa a tomar conta do bebe essa pessoa vai cansar. E o bebé vai cansar e chorar.
Vamos aprofundar este assunto. O sistema de alarme do bebé (a parte do sistema nervoso responsável pelas respostas ao que nos alarma ou, em linguagem mais comum, nos mete medo) está funcional aos seis meses de gestação. Porquê? Para poder aprender através da mãe como é o ambiente que o rodeia, perigoso ou seguro, e calibrar-se de acordo. Logo, mães com sistemas de alarme elevados têm bebés com sistemas de alarme igualmente mais ativados. Tudo os assusta, reagem fortemente a tudo. E choram mais.
Repara que eu não falo em mais ansiosas. O grande problema reside no que não sentimos, não no que sentimos.
Vamos distinguir emoções de sentimentos da seguinte forma: emoção é a resposta do nosso sistema de alarme e a sua função é mover-nos em direção à proteção. Sentimento é a parte dessa emoção que sentimos, a parte que chega ao cérebro pensante e é reconhecida por ele. A maioria das emoções não são sentidas. E quando o são, é só uma pequena parte. Imagina os icebergs no oceano. A maioria do gelo está submersa, só pequenas pontes são vistas à superfície. Essas pequenas pontes são os sentimentos e o gelo total são as emoções.
O bebé quando nasce não se distingue da mãe, como já referi. Tem um sistema de alarme não só ativo como naturalmente hiperativo (na dúvida há que preparar para o perigo. Se este não existir depois ajustamos. Mas se existir e nós tivermos pouco preparados não sobrevivemos para contar a história e gerar descendência). E os neurónios espelho do bebé estão altamente funcionais. O que significa que eles sentem tudo o que a mãe sente e não sente. Ou seja, tu podes não ter consciência de uma emoção mas o teu bebé tem. É que as emoções não são percecionadas pelo cérebro pensante, mas estão bem presentes na nossa consciência corporal. O corpo sente mesmo que o cérebro não o sinta.
Por isso quando o teu bebé chora, depois de verificares as questões físicas óbvias (fome, fralda suja, calor, frio) e até as menos óbvias, que aprendes a reconhecer com o tempo (maior sensibilidade a barulhos, cheiros, luzes, texturas da roupa ou etiquetas) então pergunta-te: O que se passa no meu corpo? Que sensações físicas experimento no meu estômago (está apertado?) na minha respiração (está acelerada, entrecortada?), no meu peito, nos meus pés e mãos (estão anormalmente frios?) e por aí fora. Se notares que algo está mais contraído então estás a experimentar uma emoção sem a sentires. Mas o teu bebé sente-a. E como as emoções têm por mensagem primária mover-nos para a proteção ele chora de alarme. Também pode ser que a emoção seja dele, do seu próprio sistema de alarme e não dos neurónios espelho, e ele procura proteção.
Dá-lhe colo e tranquiliza-o. Mas tranquiliza-o dando-lhe espaço para chorar. “Sim, meu amor, estás a sentir desconforto, não gostas do que estás a experimentar. Está tudo bem, eu estou aqui para te escutar e manter seguro.”
Lembra-te, se fosse uma amiga tua que estivesse em tua casa a chorar porque tinha perdido o emprego, alguém amado ou discutido com o marido tu ficavas ansiosa e obcecada em como fazê-la parar de chorar a qualquer custo? Se ela chorasse sem parar tu sentias que era porque tu estavas a ser uma má amiga? Ou davas-lhe espaço para chorar, tentando dar-lhe conforto físico e emocional? Provavelmente até tentavas distraí-la um pouco, mas não insistias quando não funcionava e nem o tentavas quando o choro era simplesmente compulsivo e desesperante.
Sensibilidade e bom senso é sem dúvida a chave do sucesso.
Beijinhos enormes e muita força.