
Para ti, Ana Sofia, que escolheste nascer
Não sei que te espera neste mundo, não sei que gostos e desgostos nem que amores e desamores. Só sei que é suposto aqui viveres. É um direito teu, foi uma vitória tua, uma liberdade duramente conquistada.
Para ti, Ana Sofia, que escolheste nascer.
Obrigada por teres ficado, obrigada por teres lutado, obrigada por não me teres abandonado.
Para ti, Ana Sofia, que escolheste nascer.
Bem hajas por me preferires, bem hajas por não desistires, bem hajas por a tua irmã não seguires.
Para ti, Ana Sofia, que escolheste nascer.
Esta é uma história de respeito, admiração e dor pelos desafios, pelas batalhas, pela guerra que um ser tão pequenino, ainda nem sequer nascido, travou ferozmente pelo direito de viver.
Não sei que te espera neste mundo, não sei que gostos e desgostos nem que amores e desamores. Só sei que é suposto aqui viveres. É um direito teu, foi uma vitória tua, uma liberdade duramente conquistada.
Quando vejo as tuas fotos de bebé, pequenina, entubada e numa incubadora quase aprisionada, nada disso se salienta, nada disso é o que me capta. Mas sim tua enorme força de viver.
Já me tinha esquecido do teu olhar alerta, dos teus rápidos reflexos, do teu sorriso raro e do teu choro desesperado.
Já não me lembrava de como eras sôfrega a comer, de como deitavas fora mais leite do que conseguias beber e de como tinhas medo que o biberon pudesse desaparecer.
Como não havias de estar atenta, vigilante, desperta e com medo de adormecer?
Como havias de não chorar, gritar e espernear? Como havias de confiar que era seguro viver?
Tu nasceste do trauma, com trauma e para o trauma. E mesmo assim tiveste coragem em o fazer.
Obrigada, Ana Sofia, por teres escolhido nascer.
Nem imagino a tua saga, a tua luta, a tua construção primária do que seria neste mundo viver.
Perdida num lago hostil, no interior de alguém que precisava de te ignorar, consciente do stress experienciado e sem independência para teu caminho escolher.

Vendo a tua gémea querendo partir, desesperadamente tentando-a segurar, sentindo um laser a invadir o vosso mundo e, na tua inocente perceção, a matar a tua irmã.
Meu Deus, Amor, que saga, que luta, que início de vida.
Fechaste-te no casulo e recusaste-te a nascer. Usaste a placenta como portão e quiseste lá dentro para sempre viver.
E de repente a espada a invadir a tua morada. Mãos enormes, quais monstros, a querer te agarrar. O puxo rápido e sem cerimónia, um mundo novo, frio, duro. E a necessidade de respirar.
Nenhuma voz conhecida, muita agitação. A caixa de plástico que era agora tua nova casa, o transporte a correr, e alguém a te radiografar.
Meu Deus, amor, como não desististe? Onde encontraste forças para lutar?
Meu Deus, amor, que início de vida, que saga, que luta. Que vontade de ficar!
Uma sala estranha, outros bebés a chorar, barulho, luzes, mil vozes estranhas e o desespero que parecia nunca te querer largar.
Da mãe nem sinal, nem voz, nem cheiro, nem toque. Será que estavas sozinha, sem ninguém para te abraçar?
De repente uma ponta de esperança, um oásis, uma constante no meio do caos: o colo do pai. Finalmente alguém para te aconchegar.
Seria possível que alguém ficasse? Seria real que alguém te amasse? Seria seguro confiar?
Não, não era. Uma semana depois o fim da licença, a partida para Lisboa e a perda de peso de tanto chorar.
E a mãe que tinha voltado. Mas era um caco, uma inconstante, um farrapo, um fantasma a esvoaçar.
Choravas, choravas, choravas. Nada nem ninguém te conseguia consolar. E mesmo assim escolheste ficar.
Obrigada, Ana Sofia, por teres escolhido nascer.
Bem hajas, amor, por não desistires, por tua irmã não seguires, por teres decidido viver!
