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Onde estão os teus limites?

Antes de mais está mais que provado cientificamente que a crítica só leva à defesa e nunca à compreensão do que queremos transmitir. Se pretendemos passar uma mensagem temos que ser emocionalmente inteligentes e saber que só no carinho e admiração mútua se conseguem resolver divergências.

 

Ontem o meu marido chegou e disse: “Estou cansado, estou estupidamente cansado. Por vezes sinto-me tão exausto que até parece que não me consigo mover. Por vezes parece-me que vagueio num deserto em procura de um oásis de forças. O trabalho nunca acaba, nunca diminui, nunca dá um minuto de folga. E as responsabilidades… parece que tudo cai sobre mim, que tenho um mundo inteiro para gerir e ninguém para me ajudar. E, claro, não ajuda que ande a dormir tão pouco.”

Por esta altura eu já não estava lá, já não vivia mais no presente. Nem me lembro do que ele mais desabafou.

Nesse momento tudo em mim tinha disparado e só me apetecia gritar: “Então agora entendes! Então agora percebes! Já conheces no corpo o que eu senti durante mais de ano e meio depois da nossa filha nascer. Di-lo, admite-o, pede-me desculpa, pede-me perdão por todas as vezes que eu quase desfalecia, que eu encontrava forças não sei aonde, que eu chorava sem lágrimas porque até criá-las envolvia energia que eu já não tinha. Pede-me absolvição por todas as vezes que o meu corpo ficou doente, febril de pura exaustão e tudo o que tu tinhas para mim era um pedido de um favor, a necessidade de uma saída à noite, a queixa de que precisavas de descansar para depois conseguires estudar. Agora já percebes? Hoje já entendes? Por favor diz que sim, por favor valida-me nem que seja uma vez. Por favor diz que agora me vês, que finalmente compreendes a minha dor.”

Gostaria de dizer que nada disse, que a minha maturidade de adulta, então desenvolvida, ganhara a guerra contra a minha criança em birra, em procura de um protetor.

Mas desta vez não foi assim que acabou. Desta vez eu abri a boca e exprimi em voz alta o que acima escrevi. Falei de mansinho e usei uma versão bem mais curta e filtrada, mas não consegui deixar de o dizer, de o deitar para fora, de o lançar ao vento.

E com isso nada ganhei, nada consegui e o meu objetivo não foi atingido.

Era um momento para empatia, partilha de um desabafo, comunhão de uma experiência, e eu assumi o papel de vítima e pura crítica: foi o que ofereci.

Mas o que poderia eu ter feito então? Como deveria ter reagido?

Como ser humano adulto que sou.

Antes de mais está mais que provado cientificamente que a crítica só leva à defesa e nunca à compreensão do que queremos transmitir. Se pretendemos passar uma mensagem temos que ser emocionalmente inteligentes e saber que só no carinho e admiração mútua se conseguem resolver divergências.

Igualmente importante é compreender e aceitar que não vamos mudar o outro e que há batalhas que nunca iremos ganhar. Como diz a sabedoria popular “temos que escolher as nossas guerras”.

Eu diria que temos que ser inteligentes e perceber quando recuar e/ou quando adiar.

Não, isso não é anularmo-nos ou contentarmo-nos com menos do que merecemos, como durante demasiado tempo eu acreditei. Isso é respeitar o outro, tal como queremos ser respeitados.

Até que ponto é que estamos dispostos a mudar? Tudo o que os nossos companheiros desejam? Não, certamente que não, pelo menos eu não. Então como posso acreditar que em tudo o que eu quero ele tem que mudar?

A questão crucial em cima da mesa, ontem, após a minha filha nascer e em todo o meu relacionamento, foi e é: “Onde estão os teus limites? Como os defines, defendes e comunicas? Onde estão as tuas fronteiras pessoais? És capaz de as implementar ou esperas que os outros as adivinhem?”

“Espero que os outros as adivinhem… bem, não os outros, o meu marido! Afinal não é isso que é um casamento? Uma parceria? Não é isso que é o amor? Não é para isso que casamos? Para sermos mimados, cuidados, amados? Para ter alguém que adivinha o que precisamos e no-los dá mesmo antes de sentirmos que o necessitamos?”

Meu Deus, Márcia, não. Para, recua, volta atrás. Isso são os desejos de uma criança defendida, de um ser imaturo que aprendeu que é perigoso comunicar as suas necessidades. Isso são os anseios de alguém que tem medo da própria voz, de a soltar, de ao mundo se expressar.

Isso são as crenças, criadas em pura defesa, de um ser que inconscientemente acredita que só na perfeição é merecedora de ser amada. E que quando na exaustão não consegue tudo realizar precisa de encontrar um culpado para evitar a si própria odiar.

Para, Márcia, para. Já és adulta, já cresceste, já és independente e responsável. Queres mesmo entregar aos outros a chave da tua felicidade? Desculpa, não é aos outros, é ao teu marido, ao homem com quem escolheste casar. Pensas mesmo que é ele o principal responsável pelo teu bem-estar?

Não Márcia, não é. A tua felicidade só de ti depende.

 

Vá, não me olhes com essa cara. Eu sei que é duro tal escutar. Não, não argumentes. Por favor deixa-me acabar.

Márcia, eu não estou a dizer que não merecias mais ajuda quando a tua filha nasceu. Meu Deus, tu deverias ter tido uma vila só para de ti cuidar! Márcia, eu não estou a desvalorizar o teu esforço nem o teu sofrimento. Márcia, eu não te estou a culpar.

O que eu te quero comunicar é que só tu podes conhecer os teus limites. Só tu podes saber do que és capaz e o que é demasiado para ti.

Quando a tua filha nasceu tu precisavas de ajuda física e emocional. Mas eras capaz de o admitir? Foste capaz de a pedir?

“Claro que fui! Eu fartei-me de o solicitar …”

Com certezas, explicando claramente o que precisavas e procurando quem desse conta do recado? Sem críticas, atribuição de culpas ou desapontamento pelo que não faziam por ti? Simplesmente pedindo e estando aberta a soluções? Percebendo e respeitando que os outros também possuem limites?

“Não… bem… se o colocas assim, não exatamente! Mas sejamos sinceros, qualquer pessoa que olhasse para mim via que eu precisava de auxílio, desesperadamente. E na verdade ninguém o via. Eu parecia invisível.”

Eras invisível ou será que quem te via simplesmente não sabia como ajudar?

Sabes, Márcia, por vezes quando não sabemos o que fazer para auxiliar alguém, principalmente alguém que amamos profundamente, a dor da incapacidade é tão grande que simplesmente desvalorizamos o seu sofrimento, olhamos para o lado e acreditamos que tudo se há-de resolver, que não é assim tão mau, que há de passar. É uma defesa, não má vontade, inconsideração ou falta de amor. É apenas uma dissociação perante sentimentos impossíveis de se viver.

Ou então tentamos resolver da melhor forma que sabemos, do modo que achamos que tem que ser, mesmo que não seja a mais correta ou o que quem em aflição precisa. E depois zangamo-nos quando os nossos esforços não são valorizados.

Tudo isto são defesas, comportamentos adquiridos na infância, estratégias desatualizadas. E tudo isto é um ciclo vicioso, sem fim, até que pelo menos um escolha, conscientemente, dele sair.

Mas dá trabalho, é preciso crescer e assumir que a nossa vida só de nós depende, que não há ninguém a quem culpar. E crescer nunca foi fácil. Ainda te lembras de como era? Assustador, confuso, solitário e muito mais!

“E como posso eu fazê-lo?”

Bem, simples e difícil ao mesmo tempo.

Por exemplo, na situação que partilhaste, quando o teu marido desabafou contigo e tu sentiste a raiva a aparecer, podias tirar um minuto para entrar dentro de ti e perceber o que lá realmente se estava a passar. Sentias-te, novamente, injustiçada, sozinha, abandonada, sem forças e simplesmente desvalorizada. Mas foi ele que te fez sentir assim? É ele que te faz sentir assim? Ele tem mesmo esse poder?

Quem comanda os nossos sentimentos? Os outros ou os nossos próprios pensamentos?

Sim, Márcia, é o segundo!

Tu desvalorizaste-te, tu abandonaste-te, tu foste injusta contigo própria ao exigires-te perfeição. Tu gastaste as tuas forças a odiar quem não te ajudava e tentar tudo fazer, em vez de te concentrares no que precisavas e como o podias comunicar e obter.

Sim, Márcia, só tu te podes ajudar.

Márcia, não te estou a culpar, não te quero massacrar, não te pretendo desvalorizar. Apenas te quero mostrar o que para sempre te pode libertar.

 

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