
Finalmente descobri que o meu Porto Seguro é o meu Corpo
Quando nalgum contexto de conversa mais profunda, meditação ou terapia me diziam “vai até ao teu lugar seguro, encontra-o e sente a paz” tudo o que eu experimentava era desespero e frustração. Eu não tinha nenhum lugar seguro, tudo no mundo é perigoso, até o pôr do sol, o vento no rosto ou o colo da mãe.
Sempre senti a vida como perigosa. Eternamente vi o mundo como uma armadilha perfeita. Perpetuamente entendi o universo como um ser perverso sempre em busca de uma oportunidade de nos puxar o tapete.
Sei porque vejo, sinto e entendo assim. No meu passado o meu cérebro deparou-se com uma incongruência impossível de assimilar e integrar: o meu protetor era igualmente a minha ameaça. Dan Siegel chama-lhe “medo sem solução”.
Eu sinto-o como perigo constante e solidão excruciante. Não, não tive maus pais nem sofri nenhum abuso em criança. As pessoas que cuidaram de mim sempre me amaram imenso e, aos olhos da sociedade ocidental, nunca me faltou nada.
Mas a minha natureza altamente sensível fez de mim um recetor perfeito para toda e qualquer sensação de perigo, minha e de qualquer pessoa a que estivesse vinculada. Paralelamente, as vidas de quem me protegia não foram propriamente fáceis, pelo que os seus medos e sombras eram muitos e eu cedo assumi-os como meus.
Nada disto pretende ser uma crítica, uma passagem de responsabilidade ou uma atribuição de culpas. Apenas uma introdução, uma compreensão a porque sou como sou: uma combinação entre genética e ambiente que culminou na perceção de que nada na vida é seguro, nem sequer quem é suposto proteger-me e amar-me incondicionalmente.
Por isso quando nalgum contexto de conversa mais profunda, meditação ou terapia me diziam “vai até ao teu lugar seguro, encontra-o e sente a paz” tudo o que eu experimentava era desespero e frustração. Eu não tinha nenhum lugar seguro, tudo no mundo é perigoso, até o pôr do sol, o vento no rosto ou o colo da mãe.
Mas recentemente tudo mudou. Finalmente encontrei um porto de segurança, um farol de paz e luz que me orienta até no seio da mais estrondosa tempestade.
Demorou-me anos a descobrir e ainda me custa acreditar no quão simples é, em como sempre esteve ali para mim sem que eu lhe desse valor, em como sempre esteve presente, do meu lado a cada microssegundo da minha vida.
Tanto procurei que encontrei. E pasmei com a sua simplicidade.
O meu lugar seguro é nada mais e nada menos do que o meu corpo.
Quando me sinto ameaçada, prestes a disparar, com vontade de fugir e pronta para tudo e todos atacar, eu foco-me no meu corpo, na sua visualização mental, no seu sentir, na sua dimensão espacial.
Quando me sinto em perigo o melhor presente que posso oferecer a mim mesma é abandonar a minha mente sempre ativa, fértil em imaginação, e recordar-me do meu ser físico que envelhece lentamente. Há algo de seguro neste corpo que já não tem, nem parece ter, vinte anos.
Foco-me nos meus cabelos brancos, que pinto mais por hábito do que por vergonha, e que já estão quase em maioria.
Foco-me no meu rosto cujos contornos acusam já os sinais da gravidade.
Foco-me nas minhas rugas, particularmente nas que aparecem quando rio e que não costumava gostar de ver nas fotografias.
Foco-me no meu sorriso um pouco torto, nos meus dentes longe de perfeitos.
Foco-me nas manchas da minha pele e em como já parece que nem as vejo.
Foco-me, até, na minha celulite bastante proeminente e em como ela é uma constante desde a minha adolescência.
E assim sinto-me segura, capaz, serena. Verdadeiramente adulta.
Porquê? Porque se a minha história é que nada é para sempre, que me vão puxar o tapete, que vão deixar de me amar se me virem verdadeiramente, então O meu corpo prova-me o contrário.
Sempre que eu caí, ele caiu comigo e para onde eu fui, ele sempre foi comigo.
O meu corpo nunca me abandonou, mesmo quando eu me esquecia dele, mesmo quando eu não lhe prestava atenção.
O meu corpo nunca me deixou mal, mesmo quando eu o negligenciava e me esquecia de o cuidar.
O meu corpo nunca me repudiou, sempre me tratou com carinho, mesmo sabendo o que se passava na minha mente.
O meu corpo sempre foi a maior constante da minha vida, e os sinais do seu envelhecimento são recordações das inúmeras lutas que nunca se escusou de travar ao meu lado.
Por isso, finalmente encontrei o meu lugar seguro. E sejamos sinceros, é o melhor de todos, pois está sempre acessível, sempre ao pé de mim, e enquanto eu existir sei que existirá também!