
A minha loucura existencial: tenho medo de viver!
Um dia, por passatempo, realizei algo parecido com um trabalho de Português. Foi-me dito que o que tinha feito merecia ser publicado. Dediquei-me a estudar ciências e esqueci-me que sabia escrever. Um dia escolhi nada ser. E hoje sinto raiva, muita raiva, uma imensidão de raiva por não me permitir simplesmente ser.
Nos últimos dias tenho-me debruçado sobre tudo o que escrevi no blog Quando os Filhos educam os Pais. Por razões profissionais tenho lido cada texto, cada parágrafo, cada palavra. E experiencio um verdadeiro banho de emoções.
Nos últimos tempos tenho recebido elogios quase diários, orais e escritos, de conhecidos, desconhecidos e acabados de conhecer. Elogiam a minha prosa, a forma como escrevo e, quando me atrevo a falar sobre teoria e não a minha experiência pessoal, elogiam o meu grau de conhecimento.
E hoje sinto raiva. Maioritariamente raiva. Predominantemente raiva.
Raiva do mundo mas particularmente, maioritariamente, esmagadoramente raiva de mim mesma.
Raiva por nada ser.
Um dia fui aluna de dezanoves e vintes. Um dia sonhei investigar e descobrir o que nunca ninguém antes tinha descoberto. Um dia apaixonei-me pelo cérebro humano e almejei conhecer os seus mistérios. Fiquei pelo caminho.
Um dia tive uma profissão prestigiada e segura. Um trabalho bem remunerado e com garantias de futuro. Deixei-o cair em plena segunda adolescência.
Um dia, muitos dias, ainda bem pequena, escutei “escreve um livro, com a tua imaginação e capacidade de escrita, escreve um livro um dia”. Nunca o escrevi.
Um dia, por passatempo, realizei algo parecido com um trabalho de Português. Foi-me dito que o que tinha feito merecia ser publicado. Dediquei-me a estudar ciências e esqueci-me que sabia escrever.
Um dia perguntaram-me porque era tão calada, porque me escondia e não partilhava mais as minhas opiniões. Um dia questionaram-me porque tinha medo de mostrar o que sabia, de partilhar o meu conhecimento, de falar a minha verdade. Calei-me ainda mais e virei rato de biblioteca. Sempre a ler, estudar, tirar cursos, mas muda e eternamente escondida.
Um dia escolhi nada ser. E hoje sinto raiva, muita raiva, uma imensidão de raiva por não me permitir simplesmente ser.
Eu tenho medo de viver
Hoje não sei quem sou por tanto me esconder. E hoje repito os mesmos padrões, com medo de simplesmente merecer viver.
Mas o ciclo fechou-se e eu não tenho mais como fugir e me ocultar. Porque agora as defesas caíram e eu estou consciente do que sinto e quem posso ser.
E isso faz-me sentir raiva.
E agora eu sei o que a raiva é e significa.
A raiva é uma emoção composta e que nos serve para não sentirmos outras emoções mais vulneráveis. A raiva esconde o que não queremos ou não somos capazes de ver: o que dói, o que verdadeiramente magoa, o que quase nos faz desejar morrer.
E o que eu não quero sentir é que posso merecer, posso ser, suficiente, feliz, realizada, amada. Simplesmente posso ser.
Eu não quero sonhar, eu não me permito sonhar. Eu tenho medo de simplesmente ser, sem máscaras nem armaduras, sem defesas nem planos secundários.
Eu tenho medo de viver. Eu tenho medo!
E é essa a minha vulnerabilidade essencial, o meu bocado rejeitado, a minha loucura existencial: tenho medo de viver. E como tal vivo uma vida sem realmente me permitir viver.
Hoje sinto raiva, muita raiva de não ser. E hoje é um bom dia para começar a viver.