
Para ti, Enfermeira e Enfermeiro, que cuidas dos outros… mesmo quando és tu quem precisa de cuidados
Sejamos sinceros, quando é que nós falamos das enfermeiras que se cruzaram no nosso caminho de doentes ou pacientes? Quando nos sentimos ofendidos por elas, quando achamos que elas foram demasiado frias, desumanas. Quando as criticamos.
Este é um texto que há muito quer sair da minha mente, mas que vou adiando, adiando, assim um pouco como o Governo nas promessas que faz a esta classe trabalhadora.
Mas hoje decidi que era o dia: chega de ostracismo, procrastinação, palavras perdidas ao vento ou guardadas em gavetas e que podem significar tanto para alguém.
Já repararam em como as enfermeiras e enfermeiros são invisíveis? Quando entramos num hospital ou centro de saúde glorificamos os médicos, depositamos a nossa vida nas mãos deles quase sem medos, não nos atrevemos a questioná-los e quase os tratamos como Deuses.
No entanto, as enfermeiras e enfermeiros é que muitas vezes cuidam de nós, nos tratam as feridas, nos alimentam o corpo e a alma e nos seguram a mão quando temos medo. E nós, como os tratamos? Como empregados!
Não concordam? Acham que estou a exagerar? Então pensem bem, quando foi a última vez que falaram bem de um enfermeiro, que o glorificaram, que o validaram perante um familiar, amigo ou conhecido?
Sejamos sinceros, quando é que nós falamos das enfermeiras que se cruzaram no nosso caminho de doentes ou pacientes? Quando nos sentimos ofendidos por elas, quando achamos que elas foram demasiado frias, desumanas. Quando as criticamos. E como nós, população em geral, criticámos as enfermeiras.

Tomei consciência deste facto quando estava a realizar o meu curso de CAM (concelheira de aleitamento materno). Todas as mulheres que lá estavam eram ou mães, ou médicas ou enfermeiras.
As médicas foram glorificadas pela sua presença, por quererem aprender mais, por se sensibilizarem para o tema da amamentação. E, na minha opinião, mereceram bem essa glorificação.
As mães aproveitavam para curar as suas feridas, falando dos seus partos, mais ou menos traumatizantes, e das suas experiências com a amamentação. Partilhavam as suas dores e revoltas. E criticavam as enfermeiras que se tinham atravessado no seu caminho e lhes tinham dificultado a experiência da maternidade.
Eu incluída, eu bem culpada, eu de dedo apontado. Completamente abstraída do facto de que metade da plateia pertencia à classe que eu tanto criticava.
E as enfermeiras lá estavam, caladas, habituadas a serem o bode expiatório, sem validação nem glorificação. E numa perfeita contracorrente, dedicando as suas horas de vida privada, sacrificando o seu tempo em família a aprenderem algo para ajudar ainda mais as recém mamãs, a família dos outros, para serem capazes de prestar um melhor serviço, para cuidarem melhor, apesar de saberem que, mesmo assim, seriam criticadas.
Acho que já nem elas acreditavam no seu verdadeiro valor, respondendo ao “porque estás aqui?” com um simples “para enriquecer o meu currículo”.
E numa hora de almoço, enquanto contava a outra mãe como as enfermeiras dos quartos privados do Hospital de Vila Nova de Famalicão me tinham salvado a sanidade mental após o meu parto, com o seu entendimento, carinho e dedicação, ouço uma voz por detrás de mim: “Ainda bem que alguém fala bem de nós de vez em quando, é coisa tão rara que nem me lembro da última vez que isso aconteceu”. Era uma enfermeira que tinha entrado na sala. E tudo me caiu aos pés!
Meu Deus, como ela tinha razão! Meu Deus, eu só dissera aquilo por mero acaso e não era nada habitual fazê-lo! Meu Deus, como eu critico a profissão de enfermagem apesar de várias das minhas amigas mais valiosas serem, precisamente, enfermeiras!
Mas de onde vem esta necessidade de crítica? Quando é que começamos a ver estes profissionais de saúde como indignos do nosso reconhecimento? Quando os tornamos invisíveis?
Não têm eles família, como todos os mortais? Não possuem eles sentimentos, como todos os seres humanos? Não travam eles batalhas diárias, como todos os homens e mulheres deste mundo?
Sim, existem enfermeiras frias, que parecem desprovidas de sentimentos, que parecem não saber como cuidar, que parecem, até, nos desprezar. Mas já pensaram no que elas tiveram de passar para chegarem a esse ponto? Para erguerem tais muros de defesa? Para se proibirem de sentir?
Sim, são defesas, barreiras levantadas contra uma realidade que exige delas quase tudo e lhes dá quase nada. São as longas horas de trabalho, é a hierarquia limitante e desumana, é a culpa de falhar com a família própria, são as críticas constantes. E é a dor que presenciam a cada dia, a cada momento e que não sabem como aliviar.
Pensem bem na impotência que estes homens e mulheres têm de enfrentar diariamente e respondam-me: “Não precisariam vocês, também, de dessensibilizar?”
E, no entanto, quantos enfermeiros e enfermeiras se mantêm sensíveis, carinhosos, prestáveis, cuidadores extremosos, mesmo quando os seus mundos parecem desabar? Tantos, mesmo, mesmo muitos, certamente a maioria. E nós, como pagamos? Não os vendo, não sabendo o seu nome, não os validando. Adotando a postura: “Não fazem mais do que a sua obrigação”.
Até podem não fazer mais do que o seu trabalho, mas na forma atual como a sociedade e o governo tratam os enfermeiros, são precisos homens e mulheres muitos fortes e maduros para separarem as águas e manterem a sua postura profissional de dedicação ao outro.

Termino, dedicando este texto às enfermeiras dos quartos privados do Hospital de Vila Nova de Famalicão. Peço desculpa por já não me lembrar dos nomes, pelo menos não de todos. Mas se você lá trabalha e, na passagem de ano de 20013 para 2014, acompanhou uma mãe que deu à luz por cesariana com anestesia geral, devido a placenta prévia, uma bebé com apenas 1.800 Kg e que ficou na neonatologia, talvez se lembre de mim.
Se você se lembra da mãe que tinha ido a Londres, com um diagnóstico de gémeo acárdico, eliminar uma gémea para salvar a outra, então saiba que essa mãe era eu e que para sempre lhe fiquei eternamente grata.
Lembro-me da sua paciência, do seu incentivo, do seu carinho, dos seus cuidados. E, principalmente, da sua capacidade de me fazer sentir boa mãe, boa mulher, boa pessoa quando tudo parecia desabar. Vou-me lembrar, para sempre, do apoio que me deram, mesmo quando já de lá tinha saído mas ainda “habitava” o hospital.
E, igualmente, um enorme obrigado a todas as enfermeiras da neonatologia, que tantas vezes cuidaram do meu bem mais valioso na minha ausência, e às suas colegas da maternidade, para onde fui de seguida, porque mesmo sobrecarregadas de trabalho foram capazes de ver quando eu estava no meu limite e tomarem conta da minha filha durante esses momentos (que inúmeras vezes se transformaram em noites inteiras).
Enfermeiras e enfermeiros de Portugal, obrigada pelo vosso trabalho!