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O lado negro do Amor: entenda o desvinculo defensivo

Hoje quero falar do desvinculo defensivo que existe em todos nós. Sim, em pessoas como você e eu, como o seu filho e a minha filha, como a sua mulher e o meu marido.

 

Hoje quero falar da defesa instintiva que mais destrói lares e famílias. Do instinto de defesa que nos leva a deserdar filhos, a abandonar pais e até a assassinar cônjugues.

Hoje quero abordar o lado negro do Amor.

Hoje quero falar-vos do desvinculo defensivo, a defesa do desespero, a defesa que surge quando todas as outras falharam, a defesa que antecede a catástrofe quando não é compreendida e bem abordada.

Mas não vou falar de exceções, de psicopatas ou indivíduos, certa ou erradamente, diagnosticados com doenças mentais. Não vou comentar o desvinculo nas suas manifestações mais extremas e horrendas.

Hoje quero falar do desvinculo defensivo que existe em todos nós. Sim, em pessoas como você e eu, como o seu filho e a minha filha, como a sua mulher e o meu marido.

Pessoas comuns, com vidas normais, que um dia, sem que nada o fizesse prever, dão por si a querer fugir da família que criaram com amor, com vontade de espancar os filhos que juraram criar de forma diferente à que foram criados, ou a levantar um muro de silêncio com o amor da sua vida porque um penhasco de distanciamento e desapego parece agora existir onde antes predominava o amor e a paixão.

Geralmente passa, são só momentos, instantes que nos fazem duvidar da nossa sanidade mental mas que rapidamente desaparecem e preferimos não questionar. Mas por vezes, como no meu caso, acontecem com mais prevalência, principalmente em alguns relacionamentos, e a sua compreensão pode fazer toda a diferença.

A compreensão do desvinculo defensivo pode salvar o Amor

A nossa necessidade mais básica é criar vínculos com outros seres humanos pois só através dos relacionamentos assim criados podemos sobreviver neste mundo, amar e ser amados, proteger e ser protegidos.

O desvinculo defensivo é o reverso da medalha.

As crianças percebem nos olhos dos pais o que é esperado delas. E como vínculo é igual a sobrevivência investem toda a sua energia no cumprimento dessa espectativa percecionada ou expressamente manifestada.

O problema começa quando estas expetativas não são realistas, quando todo e qualquer esforço da criança está condenado ao fracasso porque o seu desenvolvimento físico, psíquico e/ou emocional ainda não lhe permite cumprir o que é esperado dela.

A criança não tem noção de que não vai conseguir. Dá o seu melhor e falha redondamente. Sente-se então em perigo, em risco de morte perante a desaprovação paterna e materna.

Lembrem-se, vínculo é sinónimo de sobrevivência. Se a criança não consegue manter o vínculo (correspondendo às espectativas daqueles que a protegem) então como pode ela sentir-se segura, cuidada e protegida?

Se acham que tudo isto é demasiado elaborado para o cérebro de uma criança estão certos e errados. Depende do que entendem por cérebro.

Se se referem à sua componente racional, pensante, cognitiva, então estão bem corretos. Nada disto ocorre a um nível consciente. Todo o trabalho pela manutenção do vínculo tem lugar no chamado sistema límbico, no cérebro emocional. E este é maioritariamente inconsciente.

Voltemos à nossa criança e aos seus pais com expetativas irrealistas.

A criança falha e sente-se em perigo. Pode então acontecer uma de duas coisas:

1 – Os pais apercebem-se que os seus desejos estão desfasados do que a maturidade do seu filho lhe permite realizar e adquirem espectativas mais realistas e capazes de serem correspondidas pela criança. O filho experimenta o sucesso e a sensação de perigo desaparece. A criança sente “sou amada”.

2 – Os pais manifestam o seu desagrado perante as incapacidades do filho e mantêm as suas expetativas. A criança trabalha e trabalha para manter o vínculo, numa tarefa inglória que nunca a levará à vitória, numa constante experiência de fracasso. E é aqui que começam a germinar as sementes do futuro desvinculo.

A criança, bem no fundo do seu âmago, dá tudo o que tem para ser merecedora de ser cuidada, protegida, amada. E tudo o que experimenta é o fracasso. Vezes sem conta escuta versões do mesmo discurso:

“Não sejas bebé”

“Olha a vergonha que me fizeste passar”

“És um preguiçoso”

 

“Se continuas assim vamos já embora / não voltamos mais aqui / vais para o teu quarto / não vais à festa…”

“Se não sabes brincar ficas sem o brinquedo”

“Estás a dar comigo em doida”

“Só me sabes fazer ficar mal”

Um dia o discurso deixa de fazer efeito. Por muito que os pais ameacem, critiquem ou mandem fazer diferente a criança não parece mais escutar.

Por vezes, cada vez com mais frequência, parecem até provocar, querer testar, fazendo exatamente o que lhes foi dito para não realizar, parecendo indiferentes ao que lhes é dito e até virando-se contra os pais. É o desvinculo em ação.

O cérebro humano não brinca em serviço e uma das suas funções principais é proteger todos nós do que dói de mais e não pode ser modificado.

Ou adaptamo-nos ou desvinculamos. O problema é que para nos adaptarmos saudavelmente precisamos de nos sentir seguros. E como vimos anteriormente, não há qualquer segurança numa caça aos gambozinos pela correspondência das expectativas dos pais.

Então desvinculamos. Aquilo que um dia desejávamos mais que tudo passa a ser desprezado. Aquele que um dia amamos mais que tudo passa a ser odiado. Começa devagar, bem devagar, com episódios transitórios e facilmente reversíveis por olhos que percebam a dinâmica e compreendam a criança. Mas numa sociedade que incutiu nos pais e mães de hoje expectativas irreais como:

– Uma criança de meses já deve dormir a noite inteira.

– Uma criança de 2 anos deve ser capaz de obedecer aos pais.

– Uma criança de 3 anos deve saber comportar-se num supermercado e nunca fazer uma birra perante a negação da satisfação dos seus desejos.

– Uma criança pré-escolar deve ser capaz de se colocar no lugar dos outros e respeitar os seus sentimentos.

Numa sociedade e cultura onde os filhos são responsabilizados pelos sentimentos dos pais e onde se acredita que o comportamento de uma criança é um indicador fidedigno da competência parental, então não é de admirar que o desvinculo se torne tantas vezes sistémico e característico da personalidade em vez de reservado para situações extremas de stresse e ameaça.

E assim crescemos, e assim nos tornamos esposas, maridos, mães, pais, companheiros, amigas, irmãos e irmãs.

E assim, onde antes amávamos de mais, passamos a odiar, a menosprezar, a afugentar.

Culpamos os outros, cremos ser donos de razões incontestáveis que determinam as nossas ações drásticas ou ficamos incrédulos perante o desprezo, incompreensão e maldade que povoa o mundo.

Não percebemos que é o lado negro do Amor a manifestar-se, a outra face da moeda, o reverso da polaridade.

Como não compreendemos nada fazemos para a reverter de novo. Bem pelo contrário, geralmente continuamos a deitar achas numa fogueira que um dia pode virar um verdadeiro incêndio.

O vínculo, como todas as forças da vida, possui duas polaridades: a positiva e a negativa.

Einstein já dizia: não pode haver gravidade sem a existência de anti gravidade. Todas as forças do universo são polarizadas. E como tal há uma constante dança de atração e repulsão, um constante encontro e desencontro que promove o equilíbrio.

E a força do Amor não constitui exceção.

 

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