
Brincadeiras de criança: um assunto sério para os pais
As brincadeiras de criança são muito mais que simples brincadeiras de criança. São portas, alavancas, motores essenciais ao seu desenvolvimento.
Virtualmente todas as crianças possuem um instinto para brincar que emerge logo após o nascimento e atinge o seu potencial máximo por volta dos 2 a 3 anos.
Algumas gostam de liderar. Outras de seguir o chefe. Algumas preferem brincadeiras na natureza, outras dentro de casa. Algumas brincam às casinhas, outras a jogar à bola ou a saltar à macaca.
Mas seja qual for a sua brincadeira preferida, todas as crianças gostam de brincar e precisam de o fazer.
Todos sabemos que uma criança que não brinque é uma criança em apuros, severamente doente física e/ou emocionalmente.
Para os adultos brincar é o que fazem no seu tempo livre. Para as crianças é o seu trabalho. Um trabalho de que nunca se cansam e de que muito raramente aceitam tirar uma folga.
Mas porque brincam as crianças? Porque nunca se saturam de o fazer? Porque nunca resistem a uma boa brincadeira?
Porque brincar não é só divertido mas também um trabalho complexo e repleto de significado.
As brincadeiras de criança são muito mais que simples brincadeiras de criança. São portas, alavancas, motores essenciais ao seu desenvolvimento.
Brincar é importante porque até a brincadeira mais simples apresenta camadas e camadas de significados.
Para que servem as brincadeiras de criança? Quais os seus propósitos e significados?
Para uma criança, brincar não é só divertimento. As brincadeiras de criança, sejam elas quais forem, possuem uma enorme profundidade de significados, muitos deles não visíveis à primeira vista.
Permita-me que lhe apresente os 3 principais propósitos das brincadeiras de criança:
1 – Em primeiro lugar, brincar serve para experimentar papéis e aptidões de adultos.
Tal como as crias de felinos brincam à caça, uma aptidão que lhes será indispensável na vida adulta, as crianças brincam às casinhas, às lutas, às profissões e muito mais.
Segundo Gordon Neufeld, as mães e pais que somos hoje foram determinados pelas nossas brincadeiras de criança, e não tanto pelos exemplos de mães e pais com que fomos criados (como comumente é defendido).
Para mim é lógico que a forma como um dia brincamos às casinhas foi influenciada pelo que víamos os nossos pais fazerem, principalmente se precisamos de usar a brincadeira como forma de processar e até curar a forma como éramos criados (propósito da brincadeira de que falaremos mais à frente). Logo, estes 2 pontos estão interrelacionados.
Mas é sem dúvida interessante pensar que entre a forma como fomos criados pelos nossos pais, os modelos de como educar um filho que eles passaram para nós, e a forma como criamos os nossos próprios filhos não existe uma relação direta. Há um filtro, um portal entre duas dimensões (os pais que tivemos e os pais que seremos) onde tudo pode mudar. E o motor de mudança é a brincadeira, neste caso o brincar às casinhas.
2 – Brincar serve para manter a proximidade com os nossos vínculos. Ou, mais importante ainda, para restaurar essa proximidade quando ela foi quebrada.
Mais uma vez o reino animal proporciona-nos um ótimo exemplo deste propósito: os chimpanzés gostam de fazer cócegas nas palmas das mãos uns aos outros após terem discutido.
Se pensarmos nos nossos casamentos também podemos perceber melhor esta função da brincadeira. Nada quebra uma discussão ou restaura a proximidade após uma zanga como uma boa brincadeira: seja através de umas horas de lazer passados juntos, de brincadeiras parecidas com as das crianças ou no sentido bíblico do termo. Não há nada melhor do que uma boa brincadeira para restaurar a proximidade de um casal após momentos de tensão e separação.
Assim sendo, torna-se agora mais claro que o segundo propósito da brincadeira está ao serviço da nossa necessidade profunda (para não dizer mesmo insaciável) de conexão, proximidade, afeto.
3 – Em terceiro lugar, a brincadeira serve para a criança processar o que lhe acontece no dia a dia e recuperar emocionalmente dos stresses emocionais que experimenta.
Imagine uma criança que chega a casa após um dia de escola difícil. De uma forma ou de outra, quem a recebe aperceber-se-á de que a criança está magoada emocionalmente: ela conta o que aconteceu, ou mostra-se irritada, ou tem um comportamento aparentemente desafiador e/ou insuportável, ou fecha-se no quarto, ou insiste em monopolizar a sua atenção.
Mas a maioria das vezes o que acontece é que a criança usa a brincadeira para se sentir melhor, para processar o que lhe aconteceu e libertar-se da mágoa que tal lhe causou. E tudo de forma espontânea, principalmente nas crianças mais novas.
Muitas vezes brincam à escola, só que agora são elas o professor que distribui os trabalhos. Ou recriam as brincadeiras do recreio que as fizerem sentir impotentes, mas desta vez elas determinam o seu desenrolar e o seu desfecho.
É também pela brincadeira que a maioria dos terapeutas consegue ajudar uma criança a curar dos traumas que possam ter sofrido.
Por tudo isto podemos concluir que algumas das maiores dádivas que um pai ou mãe pode oferecer a um filho são oportunidades para este brincar espontaneamente e tempo para brincar com ele.
Nunca se esqueça: na brincadeira é a criança que manda e brincar é divertimento, não trabalho.