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Quando foi a última vez que me ofereci bondade?

 

Hoje escrevo sobre Bondade. Hoje desafio-os a pararem por um momento e refletirem sobre a vossa capacidade de serem bondosos para com vocês mesmos. Para mim, descobri há já algum tempo, é algo extremamente poderoso. E totalmente contranatura.

Leslie Potter, numa das últimas sessões do seu curso Parenting: PAUSED (be the parent you want to be) desafia-nos a praticarmos seis exercícios de bondade para com nós próprios. Seis exercícios conceptualmente simples mas extremamente difíceis de pôr em prática.

E hoje chorei enquanto praticava um deles. Hoje experimentei na pele o seu poder, a sua oferta maravilhosa, a cura em si contida.

Todos os dias a minha filha vê um pouco de televisão antes de ir para a escola. Não é com orgulho que o partilho, num mundo que aprendeu a demonizar o entretimento vindo dos ecrãs e em que tantos estudos provam a sua nocividade. E o facto de existirem, igualmente, um sem número de investigações que, de forma oposta, apontam para a perniciosidade de limitar a sua utilização, não me serve de consolo. Não gosto que a minha filha veja tanta televisão. Sinto medo, temo pelo seu desenvolvimento saudável.

Mas aprendi a aceitar as minhas limitações, consequências de reações ao stress aprendidas na minha infância e ainda não atualizadas. E eu preciso da televisão. Eu, não a minha filha. Eu preciso de a ligar para que ela se entretenha enquanto eu nos preparo para sair de casa. A televisão não é o demónio, fui eu que a comprei e sou eu que lhe dou uso. E a minha filha não é quem precisa de limites, de aprender a viver sem ela, a brincar sozinha, a entreter-se sem ecrãs. Fui eu que a ensinei a entreter-se assim, sou eu que a ligo e coloco no canal dos bonecos, sou eu e só eu que realmente preciso dela e sou eu quem precisa de saber quais os meus limites.

É importante assumirmos as nossas escolhas e responsabilidades, não culpando e limitando os outros para não termos que lidar com os nossos demónios. E é ainda mais importante aprendermos a oferecer bondade, aceitação e amor incondicional a essas mesmas limitações. Pois só assim conseguiremos crescer, amadurecer e atualizar as nossas estratégias aprendidas em criança e que já não nos servem mais.

A minha filha vê televisão antes de ir para a escola. E normalmente eu obrigo-me a ver um pouco com ela, como forma de conexão. Mas como com todas as obrigações que impomos a nós próprios, são muitas as vezes que me escapo a cumpri-la.

Mas hoje não ia ser um dia desses. Hoje não havia obrigações, só questionamentos e bondade. Por isso comecei por perguntar a mim mesma “O que é que tu queres fazer aqui? Quem queres ser neste momento?”.

 

De pé olhava para a minha princesa, deitada na minha cama e totalmente absorvida pelos desenhos animados do momento, enquanto esperava que as respostas surgissem no meu interior. Sem pressas nem pressões. “Quero-me sentar com ela, tirar um minuto de folga e pegar-lhe ao colo, conhecer os bonecos que tanto lhe agradam e cativam, aprender o nome das personagens”. E assim o fiz.

Sentei-me no leito e ofereci-lhe colinho. Com as costas dela deitadas no meu peito, os seus pezinhos escondidos nas minhas pernas e as suas mãos entrelaçadas nas minhas, permiti-me relaxar. Os desenhos que passavam, terminaram e eu pensei em levantar-me, continuar a trabalhar. Surpreendi-me por perceber que não era nada disso que eu queria, desejava continuar semideitada, permanecer aconchegada com ela e ver mais um programa. Lembrei-me da prática de bondade para comigo própria e ofereci-me esse luxo. As obrigações podiam esperar.

E foi ai que senti o doce perfume do seu cabelo. Inspirei fundo e senti o cheiro do bebé que nunca me permiti apreciar, tais eram as obrigações que impunha a mim mesma por essa altura e o estado de medo em que vivia. Deixei-me estar, esquecida do tempo e do espaço, simplesmente concentrada naquele cheiro de bebé que aos quatro anos ainda existe. Mas por quanto mais tempo?!

E foi então que chorei. Chorei de tristeza pelo que nunca vivi, pela minha incapacidade de relaxar e simplesmente apreciar o bebé que havia saído de mim e chorava incessantemente nos meus braços. Chorei de impotência por não poder mais voltar atrás e confortar aquela menina recém-nascida cuja mãe nunca parava o tempo suficiente para a fazer sentir segura e amada.

E chorei de gratidão, sim, de imensa gratidão, por esta segunda oportunidade, por ainda ir a tempo, por ter escolhido a bondade. E por esta me ter levado à cura.

Por isso, hoje vos desafio. Parem um momento, esqueçam a lista mental do que ainda precisam fazer, permitam-se um momento de pausa e perguntem a vocês mesmos “Quando foi a última vez que me autocritiquei? E quando foi a última vez que me ofereci bondade, aceitação e amor incondicional? Será que posso substituir o primeiro pelo último? E como seria fazer tal?”

Talvez descubram alguns tesouros escondidos, tal como aconteceu comigo. E como é bela a vida nesses momentos!

 

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