
Atirada ao chão
Já houve momentos na vida em que me senti atirada ao chão, verdadeiramente arremessada, sem dó nem piedade, sem rede de segurança ou ponta onde me agarrar.
Já existiram situações na minha história em que mergulhei no oceano profundo e convenci-me que me ia afogar.
Já me senti, muitas vezes, criança que cai de um baloiço preso nos céus para um mundo cinzento e demasiado cruel.
Já me senti ferida por todo, incapaz de me erguer, com medo de me mexer por estar irremediavelmente quebrada, partida, destruída.
E foi nesses momentos que conheci a essência da vida.
Há um primeiro impacto. A sensação de um tapete que é puxado e eu que caio desamparada. De seguida vem o medo e o desespero. Estou paralisada, nem me atrevo a mexer. E depois rendo-me e simplesmente choro. Não tento mudar, nada almejo resolver.
Estou caída, mas será que estou morta? Não, não parece, ainda respiro, estou viva. Que faço agora? Não sei, não tenho qualquer ideia. Então deixo-me estar.
E num momento de pausa forçada vejo a minha existência com outros olhos. Estranhamente tudo me parece mais real, mais belo, mais repleto de cor.
Eu passo a vida a correr e perco a essência do momento, tão focada que estou na meta a atingir. Mas quando tudo rui, quando tudo colapsa, já não há mais futuro. E eu posso, então, apreciar o presente.
E é aí, e só aí, que eu percebo que sou capaz de ver que há vida no fundo do oceano, peixes, corais, cores e formas como nunca antes vi. E que belo que tudo é!
E é aí, e só aí, que eu percebo que o céu possui mil tonalidades diferentes, que as folhas das árvores são pequenos abrigos de beleza para os meus olhos cansados, que o mundo pode correr sem parar mas eu não tenho que o acompanhar.
É estranho, muito estranho, e igualmente compreensível, mas eu só vejo a beleza do mundo e os pequenos prazeres da existência quando caio.
Nunca me levanto a mesma pessoa que era antes de me estatelar. Algo em mim morre nestes momentos. Algo desaparece para sempre.
E algo novo nasce, reencontro-me após cada queda, cada quase afogamento, cada momento de perda profunda.
Porque começo a perceber que o que perece é mais um pedaço do que não me serve e puxa para trás, e o que renasce é mais uma pérola anteriormente renegada do meu verdadeiro eu.
Não gosto de cair, não gosto mesmo nada. Até tremo só de pensar nisso. Mas aprendi a não entreter o desespero quando tal acontece.
No passado ficava presa nele, deixava-o consumir-me, ser o protagonista do rescaldo da tragédia. E terminava medicada para a ansiedade e depressão.
No presente recebo-o com bondade e aceitação, abro a porta à sua visita. Mas não lhe ofereço chá nem bolachinhas. Escuto o que tem para me dizer sem o combater, e, de seguida, deixo-o ir. Vejo-o afastar-se feliz por ter sido escutado, envio-lhe um beijo de agradecimento pelo cuidado que teve em me tentar manter segura. E escolho não acreditar nas suas profecias catastróficas originadas no mais puro medo.
Termino reerguendo-me mais forte, mais completa, mais segura de quem sou e do que quero. E um pouco mais alta do que era antes.
E o maior dom de todos? Ver a minha filha a aprender comigo, com o meu exemplo: “Se cometer erros não é o fim do mundo para a mamã, então é porque é normal e faz parte da vida. É só reerguer e voltar a tentar. Eu consigo fazer isso. Eu sou capaz!”