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Hoje todas as minhas feridas sangram, todas as escaras estão abertas

Certamente que a minha filha vou danificar, que o seu futuro ao insucesso e sofrimento vou condenar, que não há como a tal destino escapar. Hoje todas as minhas feridas sangram, hoje toda eu sou uma escara, hoje não há forças para lutar.

 

Hoje todas as minhas feridas sangram. Hoje todas as escaras estão abertas e se fazem sentir.

É o medo de o meu marido não voltar. É o medo de ele voltar, mas não inteiramente.

É a nova vida profissional que não se define. É o nunca saber se serei capaz, se realmente vai ser real, se um dia vai doer como só a desilusão consegue magoar.

Será que vou ter de voltar atrás? Será que a vida me vai derrotar?

É o ordenado que não entra. E o dinheiro que não me coíbo de gastar.

E, por fim, é o mais importante, a razão de tudo ser. É a minha filha que não quero estragar.

Faço guerra aos avós, ao chocolate, à televisão. Mas o que eu sinto é que não a sei orientar. É o medo de não a alimentar direito, o receio contínuo de a traumatizar, a ideia sempre presente que é para a infelicidade que a estou a educar.

Certamente que a minha filha vou danificar, que o seu futuro ao insucesso e sofrimento vou condenar, que não há como a tal destino escapar.

Hoje todas as minhas feridas sangram, hoje toda eu sou uma escara, hoje não há forças para lutar.

Então, que assim seja! Deixa sangrar.

 

Será que as escaras me vão matar? Será que vou exsudar até morrer?

Não me parece. Sei que vou sobreviver.

É pus, não sangue, que estou a verter. É veneno que percorre minhas veias e me quer fazer fraca para, assim, me proteger.

Deixa-o sair, não me há de matar, sei que hei de sobreviver.

Deixa-o sair, deixa as feridas expurgar, deixa o pus escorrer. Sente a dor, a paralisia, a vida te arrasar. Tu não hás de morrer. Sabes bem que vais sobreviver.

Custa-te a acreditar? É a última escara a rebentar. A esperança com medo de viver. A crença de que crer é só sofrer.

E se o que aprendo está errado? E se o sentir não é o desejado? E se nada nunca vai mudar?

Então que assim seja! A resposta é a mesma: Para de lutar.

Deixa-te cair. Deixa-te afogar. Repousa. Permite ao caos existir. Será que ele não tem nada para te ensinar?

 

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