Engravidei a uma segunda-feira. Quando penso nisso surge na minha mente o refrão da canção dos U2 chamada “Sunday, Bloody Sunday”.

E nem me apercebo que canto “Monday, Bloody Monday”. Pode parecer cruel ser assim que me recordo do momento de conceção da minha filha, do início do que é suposto ser a mais bela história de amor que uma mulher alguma vez pode experimentar.

Mas a realidade é o que é, e é na sua aceitação que geralmente encontramos a cura.

Amo-te Ana Sofia, amo-te como nunca pensei que fosse possível amar alguém. E por agora canto “Monday, Bloody Monday” pois, também por ti, não quero mais fugir do que no presente é a minha realidade.

Não me é difícil perceber a razão desta associação. Sim, a conceção da minha filha foi o início de uma história suja, suja de sangue, literal e figurativamente.

Sangrei semanas seguidas e até ao fim da gravidez. Sangrei tanto que já nem ligava ao que sangrava. E sangrei no pós-parto. Perdi tanto do meu sangue que precisei de o receber dos outros.

E ainda tive de voltar ao bloco cirúrgico, pois tão cansado estava o meu útero de perder e chorar, que decidiu fechar-se cedo de mais, retendo sangue que ainda era necessário expurgar.

Figurativamente ainda sangro. Já menos, já muito menos. Mas existe um rio por mim criado, um rio de sangue que atravessa o vale onde caíram as cinzas da erupção vulcânica. Um rio que de que conheço a nascente mas não a foz, e que temo que um dia se transforme num oceano.

E sangrei morte. Sangrei a perda de uma filha que nunca vou conhecer. Sangrei o fim do sonho de ser mãe de gémeos. E era pelo sangue que ela se mantinha viva. E foi pela negação de sangue que ela foi deliberadamente eliminada.

“Monday, Bloody Monday”. Escrevo para me curar, escrevo para ver se consigo parar de te cantar.