
Eu e a amamentação: uma relação suja
Amamentar não é instintivo. E amamentar não se torna natural só porque conhecemos a teoria. Ajuda, ajuda muito perceber o que é a amamentação, como ela se realiza, as suas bases, os seus desafios, os seus erros mais habituais.
A minha história de amamentação é uma história suja. A minha relação com a amamentação é uma relação de atração e repulsão, simultâneas e difíceis de conciliar.
Amo a amamentação. Extasio perante a perfeição da natureza. Defendo que todas as mães podem e devem amamentar.
E odeio todo o contexto atual que a rodeia, o circo em que se tornou, a angústia que provoca, os erros contranatura que a rodeiam.
Há pouco tempo uma amiga perguntou-me: “Márcia, porque precisam as mulheres que as ajudes a amamentar? Não percebo, juro que não consigo compreender. Coloca-se o bebé no peito e já está. O que é que há de tão difícil nisto?”
Minha doce e querida amiga, cresceste no Vietname, não na sociedade ocidental.
Viste tua mãe amamentar teus irmãos. Viste tuas vizinhas darem de mamar. Partilhaste o cuidado de mil bebés e, mesmo sem saber, aprendeste a sua arte.
Sim, porque amamentar é um comportamento aprendido, mas somente e apenas na escola da vida.
Amamentar não é instintivo. E amamentar não se torna natural só porque conhecemos a teoria. Ajuda, ajuda muito perceber o que é a amamentação, como ela se realiza, as suas bases, os seus desafios, os seus erros mais habituais. Mas se nunca viste outra mulher amamentar, se nunca experienciaste o seu processo, se nunca conviveste com ele numa base regular, amamentar não é natural.
E é aqui que a amamentação se transforma numa história suja.

Amamentação: um momento de Amor
Ou a mulher acredita logo à partida que é imperfeita, abandonando o ato de amamentar sob o pretexto de que não tem leite, não produz o suficiente ou o que possui é de fraca qualidade, desistindo rapidamente do que se lhe afigura como uma luta desnecessária e substituindo o seu ouro líquido por uma falsa pedra preciosa, sem noção do valor perdido.
Ou a mulher é levada a crer que deve haver algo de errado consigo, que é a ovelha ranhosa do rebanho das mães perfeitas e capazes de amamentar, que é a exceção, embrenhada numa luta por dar ao seu filho o que sabe ser o melhor alimento alguma vez criado, mas sentindo na pele, no corpo, no interior da sua alma as dificuldades e desafios de realizar tal arte sem nunca a ter verdadeiramente interiorizado.
É uma luta sem vitória. É uma espada de 2 gumes. É uma história de sofrimento no que é um dos mais belos momentos de amor da vida de um ser humano.
E, como sempre, é o inocente que mais padece. Aquele que apenas passeava na rua quando se iniciou o tiroteio, aquele que apenas conduzia para casa quando foi abalroado por um condutor embriagado. Aquele que apenas nasceu e iniciou a sua vida terrena quando atingido pelas regras de uma cultura errada.
Adoro ajudar alguém a amamentar. Comovo-me a cada sorriso de vitória, a cada bebé que adormece, satisfeito, na mama. Partilho o choro de alegria de cada mãe que vence a guerra e acredita ser capaz.
Mas bem lá dentro, lá bem no fundo, como um vulcão sempre preste a entrar em erupção, está a revolta contínua de que não devia haver guerra, nem sequer uma escaramuça.
Nenhuma mulher, nenhuma, nem sequer uma num mundo de infinitas fêmeas, devia alguma vez associar o seu valor de mãe ao de ser capaz ou não de amamentar. E nenhum bebé, nenhum, nem sequer um num universo de milhões de biliões, devia ser privado de receber o ouro mais valioso de todos porque a sociedade em que nasceu deu um passo na direção errada.
Desculpem o desabafo.