
A Viagem de Arlo: A essência do Desenvolvimento Humano em imagens
“A Viagem de Arlo” foi um dos melhores filmes que vi nos últimos tempos. Uma verdadeira lição sobre o que é o alarme, a coragem, o vínculo e a alta sensibilidade, entre outros conceitos.
“A Viagem de Arlo” é um filme que retrata muito do que a Psicologia do Desenvolvimento Humano tem ensinado ao longo de mais de um século e confirmado agora pelas mais recentes descobertas da Neurociência.
Mais, esta obra-prima ultrapassa todos esses ensinamentos pois parece vir diretamente do coração de quem a escreveu, sem necessidade de compreensão da mente. Uma bela lição do poder dos instintos sobre o que é a natureza humana, traduzida em imagens que aqui valem bem mais do que mil palavras.
Mas eu quero colocar palavras nestas imagens, nem que seja só para meu próprio processamento.
A Viagem de Arlo: um grito à compreensão das diferentes nuances do Desenvolvimento Humano
“A Viagem de Arlo” possui o nome original de “The Good Dinossaur”. Eu chamar-lhe-ia “The Highly Sensitive Dinosaur”, que em português significa “O Dinossauro Altamente Sensível”.
Foi esta a primeira dinâmica que me saltou há vista: o nascimento de um filho altamente sensível no seio de uma família onde pelo menos o pai e os irmãos não o são. A mãe não consigo avaliar.
Nascido numa família onde domina a força muscular, Arlo parece não conseguir encontrar o seu lugar. Como muitas crianças altamente sensíveis Arlo sente mais do que os seus familiares, nomeadamente mais medo.
Aproveito aqui para recordar que a alta sensibilidade é uma característica presente em todas as espécies que vivem em grupo. 20 a 30% dos membros destas espécies são altamente sensíveis. Uma das razões apresentadas para esta consistência de números entre espécies é o papel desempenhado por estes indivíduos: o de proteger os restantes membros do grupo, e consequente sobrevivência da espécie, através de uma apurada perceção e antecipação do perigo.
Os veados altamente sensíveis, por exemplo, são aqueles que chegam ao prado verde e param a observar, cheirar e escutar tudo em redor. Enquanto os seus pares não altamente sensíveis se atiram de cabeça para a comida deliciosa, 20% dos veados perscrutam o horizonte em busca de potenciais ameaças escondidas. Caso estas existam eles vão dar o alerta e assim proteger o grupo.
Arlo nasce num contexto social onde vantagens e pontos fortes da alta sensibilidade não são necessários nem valorizadas, como acontece às crianças atuais. Daí que o maior medo que sente perante situações quotidianas pareça uma desvantagem e não vantagem.
Felizmente o pai de Arlo é capaz de percecionar que a diferença de Arlo não é um defeito de fabrico (como muitas crianças e adultos altamente sensíveis costumam reportar) mas sim uma mais-valia. Como ele diz: “Tu é como eu, só que melhor”.
As crianças altamente sensíveis são crianças mais intensas nos seus sentimentos e sensibilidades. São igualmente mais profundas na sua avaliação das situações diárias, perceção de nuances e vivência de um mundo com vários tons de cinzento.
É o que podemos observar quando Arlo escolhe não matar a criatura, tal como o pai lhe havia ordenado. Ele viu mais fundo. E como esta profundidade é inata e grandemente inconsciente, ele não tinha resposta para a pergunta do pai: “porque não cumpriste a tua tarefa?”.
Várias outras dinâmicas podem ser observadas neste filme, das quais saliento as seguintes:
– A natureza da verdadeira coragem: Ser corajoso não é ausência de medo. Ser corajoso é sentir medo e escolher enfrentá-lo por um objetivo maior. Pode saber mais sobre esta dinâmica no post Já sabes o que significa ter coragem? Descobre agora!
– Os vínculos são a nossa primeira necessidade. Por aqueles que amamos estamos dispostos até a morrer, como o demonstra o pai de Arlo e mais tarde o próprio Arlo aquando das enxurradas do rio. Também é claro, nestas cenas de vida e morte, o poder do instinto alpha. Para saber mais sobre este assunto consulte os posts Descubra porque A Vida é Bela é o filme que todos os pais deviam ver e Como Treinares o Teu Dragão: uma lição escondida sobre ser Pai.
– Quando o alarme é demasiado o nosso sistema límbico protege-nos, eliminando a nossa capacidade de sentir medo. Mas com a perda deste sentimento perdemos também a capacidade de cuidar dos outros. Mais, quando à ausência de sentimentos se junta um instinto alpha apurado, surge uma necessidade de se aproveitar das fraquezas dos outros.
Não há qualquer remorso na satisfação desta necessidade ou instinto. Bem pelo contrário. Para aqueles que estão defendidos a este ponto, este instinto ou necessidade é algo perfeitamente lógico e até uma dádiva, não percebendo porque os outros não sentem e fazem igual. É o que se passa com os pterodáctilos abutres do filme. Um belo exemplo da dinâmica do bullying em ação, criada por uma situação onde o medo foi demasiado e provocou por assim dizer um curto-circuito no sistema emocional.
Concluo com o que constitui uma das minhas maiores frustrações ao assistir a filmes para crianças como este: A incapacidade de o fazer com a minha filha.
Sendo ela uma criança altamente sensível, particularmente a nível emocional, é quase impossível que não fuja da frente do ecrã em alguma cena mais forte.
Também tem uma destas em casa?