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A minha neurose

 

Descobri porque escrevo. E jurei que não o ia fazer mais. Mas hoje abordaram-me na rua por causa do que partilho. E eu voltei a sentir vontade de o fazer. Recordei-me de porque o tenho feito. E finalmente entendi que a neurose que me leva a escrever cumpre o seu propósito e dá-me o que preciso. E agora que estou consciente disso talvez continue a escrever, ou talvez desista. A questão é que agora tenho escolha. Não sou prisioneira.

Mas deixem-me explicar:

Quando nascemos não temos defesas. Quando entramos neste mundo temos o coração aberto e sem receio de mostrar a nossa vulnerabilidade, na verdade nem temos consciência dela. Não temos filtros nem muros levantados.

Depois começamos a perceber que certos comportamentos nos trazem aceitação, enquanto outros resultam em separação. Nessa idade tão jovem nós somos os nossos comportamentos, não somos capazes de percecionar a diferença.

Compreendemos, então, que partes de nós são passíveis de ser amadas enquanto que outras são linearmente rejeitadas. E adaptamos-nos, porque sermos rejeitados é sermos abandonados. Somos crianças indefesas e dependentes, como havemos, então, de sobreviver sozinhas? Impossível.

E então mudamos quem somos, tentando encaixar a nossa personalidade nas expectativas de quem é responsável por nós. E tudo isto é inconsciente, e tudo isto é puro instinto de sobrevivência.

Existem várias formas de adaptação, de modificação do ser, e algumas delas são tão bem sucedidas que se mascaram de traços de personalidade. E estas alterações costumam surgir aos pares, como lados de um pêndulo que, em constante movimento, procura o que melhor funciona. O equilíbrio está no centro, mas por vezes o pêndulo fica preso num dos lados, encravado, prisioneiro. E foi isso que me aconteceu. E é por isso que eu escrevo.

Um destes pares, uma destas formas de adaptação costuma englobar o quanto partilhamos de nós. Num pólo está o nada e no outro o quase tudo.

 

Sempre me perguntei porque me era tão difícil guardar segredos, pelo menos os meus. Quem me conhece considera-me uma pessoa tímida, reservada e digna de confiança. No que aos segredos dos outros diz respeito há muito que aprendi a importância de os respeitar.

Mas quanto o que se passa no meu interior, uma vez criado um vínculo com alguém, um vinculo digno de ser alimentado por mim, então tenho uma enorme necessidade de mostrar quem sou, de partilhar os segredos obscuros, tudo o que vai cá dentro. E finalmente descobri que isso é uma neurose resultante de um processo de adaptação.

Mas o estranho é que numa sociedade em que o normal é o outro pólo, é aprendermos a esconder quem somos pois senão seremos rejeitados, esta minha alteração tem sucesso e é apreciada quando transformada em partilha de blog. E isso deixa-me a pensar que realmente não existem verdades absolutas nem formas certas de ser ou não ser.

É tudo uma questão de como usamos as nossas neuroses, pois tal como as nossas virtudes também elas podem ter valor, para nós e para os outros.

E por isso escrevo, e por isso partilho o que vai no meu interior. Sou corajosa? Sou generosa? Não, sou ansiosa e neurótica como a maioria dos mortais, pelo menos dos que ainda não estão severamente defendidos, pois esses já perderam a capacidade de sentir a ansiedade. E encontrei na escrita uma forma socialmente aceitável de exprimir a minha ansiedade e obsessão.

Obrigada a quem me lê, pela ajuda que me dá com a sua validação. E se te ajuda o que escrevo, sinto-me honrada, comovida, lisonjeada. Porque nada na vida é preto e branco e é agradável perceber que muitas vezes o melhor que temos para dar são mesmo os nossos defeitos.

 

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